terça-feira, 26 de maio de 2009

A Ponte Sonora entre Oriente e Ocidente

É impossível falar de música New Age sem citar o japonês Kitaro, um dos mais puros representantes do gênero. Toda a sua obra, dedicada à criação de harmonia e paz no planeta, reflete um contato íntimo com a Natureza. Em turnê mundial para o lançamento do CD Mandala, Kitaro esteve no Brasil no final de 1994.

Deva Sethu ou Masanori Takahashi – esses nomes – (o primeiro de sannyasin, o segundo oficial), tem sua síntese em Kitaro, o mago dos sintetizadores, o papa da New Age, a ponte entre os deuses e os homens, que é o significado do nome dado por Bhagwan Shree Raneesh (mais tarde conhecido como OSHO), a um de seus discípulos prediletos em todo o mundo. Um dos poucos a quem ele telefonava pessoalmente e que o ajudou muito, com apoio financeiro e criativo, no seu projeto de um ashram contemporâneo. Aquariano, 04 e abril de 1953, Serpente no horóscopo chinês, Kitaro vem encantando platéias de todas as idades há mais de 30 anos. Sua fama veio depois da trilha para um documentário da TV japonesa sobre a rota da seda, (Silk Road). Depois de vender milhões de discos, Kitaro entrou em retiro no monte Fuji, afastou-se de todos os mestres e foi buscar seu mestre na própria Natureza. Já tocava os tambores neste monte, numa cerimônia anual iniciada por ele mesmo, uma espécie de nova tradição. Ficava ali dias e dias sem comer ou dormir, tocando sozinho, até quase se consumir. Nessa hora, virava um dragão, segundo quem já assistiu ao ritual. Numa dessas noites, Kitaro resolveu sair do Japão e foi morar nas Montanhas Rochosas, no Colorado, (EUA). Lá, há 4.500 metros de altura e a uma temperatura de -25°C, ele constituiu uma nova família musical, com uma banda jovem, um brilhante produtor, (Gary Barlough, que trabalhou com Jon Anderson, Pink Floyd e Yes) e seu sócio no empreendimento americano, Eidhi Naito, amigo e empresário. Logo depois era chamado por Oliver Stone para criar a trilha de Entre o Céu e a Terra, belíssimo filme que encerra a trilogia de Stone sobre a cultura americana e a guerra do Vietnã. Com este trabalho, Kitaro entrou na cultura de Holywood, ganhando o Globo de Ouro de melhor trilha de 1994. Apesar de toda a sua riqueza, (seu estúdio nas Montanhas Rochosas pode abarcar um estádio de beisebol), Kitaro gosta de isolamento, silêncio e do respeito pelo seu processo de criação. Mas não faz isso por estrelismo; ao contrário, ele é extremamente humilde e me contou na suíte do seu hotel cinco estrelas em São Paulo (onde se hospedou para duas apresentações na capital paulista, no final de 1994), que não gostava de lugares luxuosos e sempre viajava com um “sleeping bag” (saco de dormir) para dormir onde quisesse. Nesta entrevista, ele fala um pouco da música, de seu processo criativo e religioso e de como sente sua missão – segundo ele, criar harmonia e paz, “curar” o planeta.
Como você se coloca como ser humano e músico?
Sei que a qualquer momento posso morrer. Por isso, em todos os momentos, seja falando, tocando, faço tudo 100% inteiro. Ir além do corpo humano é muito difícil. É como um estado de transe. Depois deste estado de transe, é a Grande Morte.
Do que se constitui sua dieta?
Fui vegetariano muitos e muitos anos. Hoje eu como de tudo, bebo algum álcool, mas controlo meu corpo e meu ser, além dos meus estados psicológicos. O elemento mais importante é que eu vivo numa grande altitude. Isso significa que o oxigênio é mais refinado e isso mantém a mente clara. A altitude tem muitos méritos. No Japão eu também vivia nas montanhas. Mas alimentação natural é essencial. A grande altitude, vivida na natureza, é o melhor antídoto contra qualquer ilusão. Os instrumentos musicais vem da Natureza, ela nos deus todos os elementos do som e dos instrumentos. Precisamos apenas nos afinar com estes instrumentos musicais e sua vibração e fazer com que as pessoas que os ouvem sintam o mesmo. Este é o meu sonho. Imagino um momento em que todos, ao mesmo tempo, bateriam palmas. Todos juntos, em uníssono, ao mesmo tempo. Se pudéssemos fazer isso juntos, talvez não houvesse mais guerras, mais necessidade de lutar. Hoje temos muito sofrimento no mundo. Eu não sei nem quantos países nesse momento estão em guerra. Temos de fazer alguma coisa. Eu tento através da música, essa é minha missão.
Você teve mestres, gurus, inclusive foi discípulo de Rajneesh (OSHO). Como você realiza esta noção de render-se a um mestre? Muitas pessoas não entendem que o importante é o movimento do discípulo e então o milagre acontece. Como foi para você?
Foi no começo dos anos 70, em Poona, na Índia. Mas hoje, tudo mudou ali. Eu não estou mais certo de que o espírito de Bhagwan e seu trabalho estão ainda lá. Baghwan foi meu amigo, como um tio, um parente e ele falava comigo sempre, me telefonava, até que ficou doente física e psicologicamente. Antes o ashram e as pessoas eram diretamente conectadas com Bhagwan (Kitaro comenta sobre o novo nome, OSHO, para designar o mestre e diz que nunca conseguiu “sentir” este nome) e depois passou e depois passou a haver “intermediários”. Hoje Baghwan não está mais aqui, mas podemos tocá-lo em qualquer parte, diretamente.
Ele falou alguma coisa especialmente importante para você?
Ele falou sobre minha missão. Meu nome é Deva Sethu, e Sethu quer dizer “ponte”. Conectar Ocidente e Oriente. Conectar pessoas a pessoas. Esta é minha missão, minha música. Nos últimos 20 anos é o que eu tenho feito! Ele disse: “Você vai para o mundo. Vá! Toque!” Outros mestres budistas me disseram o mesmo em outros templos e altares. E em Santa Fé, no Novo México, (EUA)um xamã me disse que se eu parar, vou morrer. Eu tento morrer a morte abençoada, meu corpo não é mais meu... A experiência é importante, qualquer experiência é importante neste planeta. A mestra coisa é vivida pelos mestres, só que eles tem a técnica de ensinar a liderança. Meu mestre é a Mãe-Natureza, ela é tão forte! Vivo a 4.500 metros de altura e às vezes a temperatura é de -50°C! É o mesmo quando toco os tambores: quero estar no limite todo o tempo. Eu não sei quanto tempo mais estarei aqui, mas já entreguei e entrego sempre minha existência quando toco. Quando não tiver mais a limitação deste corpo, poderei estar em toda a parte, como uma vibração.
Mas você sabe que o Budismo descreve o pós-morte demaneira não muito agradável. O Bardo Thodol, por exemplo, fala do medo da alma, das visões e sons aterradores...
Não, eu aprecio este corpo e sou muito agradecido a meus pais por me terem concebido, mas é a questão do elemento terra. O corpo sente tudo, demais. Gostaria de estar mais diluído.
Como você vive? É casado, vive só ou com amigos?
Eu não sei! Não gosto de ter alguém que controla meus momentos, minha vida. Vivi muitas emoções, conexões e acho que emoções e conexões são parte do destino. E ninguém conhece o destino. Eu vivi intensamente, mas neste momento não sei de nada, continuo aprendendo. Bhagwan talvez saiba de tudo... Eu gosto de, no caminho do aprendizado, olhar, sentir. Mas se o outro não é capaz de entender tudo, não precisamos ficar juntos. Por isso ela se foi (referência a uma amiga japonesa, também compositora, que havia chegado com Kitaro ao Brasil, mas que foi embora no terceiro dia, misteriosamente).
Você está usando instrumentos napaleses, tibetanos, chineses e africanos, percussão árabe e ao mesmo tempo, solos de guitarra em seu trabalho. Por que está utilizando elementos de rock no show? Para atrair mais pessoas? Se você trabalha com mulheres grávidas, faz um tipo de som; se faz um pop star show, é outro tipo. Como você sente isto por dentro?
Se decidimos fazer terapia, não precisamos do show. Quando é show, é entretenimento. Em matéria de som, muda muita coisa. Eu fala para a minha banda: “Isto é entretenimento, não é terapia, nem workshop de cura”. Mas nossa energia vai para a audiência – e esta é a terapia, a energia indo lá. Porque atrás deste show business nós colocamos nossa energia espiritual. Nosso show não é só auditivo ou visual, é um show espiritual.
Após o show, todos elogiam e destacam o espírito de unidade do seu grupo. De que maneira você consegue manter isto?
Todos os dias eu converso com eles, antes do show, em todos os movimentos. Este é meu trabalho: tocá-los, senti-los como uma banda. Todos são muito jovens, uma média de 25 anos. É como eu posso ensinar alguma coisa: o que é show business com entrega espiritual, como se concentrar, etc. ao mesmo tempo, essa é a minha família, meu grupo de performance e eu espero que ele cresça mais.
O que você faz durante o show se, por exemplo, sentir que algum músico do grupo “se perdeu”?
Isto não tem importância porque cada momento tem um movimento e, se temos o mesmo movimento, então perder-se não é uma coisa tão vital. Se o movimento for oposto, então tenho de fazer alguma coisa. Como um capitão, basta dizer: “Venha, volte”. Minha banda está começando agora, com esta turnê e eu espero muito deles, como uma nova geração fazendo música.
O que você acha da expressão New Age? Porque ela foi muito mal usada... Eu tentei escapar disto no Brasil e foi impossível; daí resolvi me assumir como uma “new new age”...
Começamos a categoria musical “new age”, quatro ou cinco músicos: Vangelis, George Winston, Andreas Vollenweider... Mas nós tínhamos este estilo de vida. Winston se focalizava na Natureza, nas estações do ano, como outono, inverno. Mas hoje todos usam os mesmos sintetizadores, soando como jazz... Não posso sentir nenhuma filosofia, nenhum estilo de vida nos músicos atuais. Cada artista deve ter sua filosofia e estilo de vida. E a música deve ser baseada na sua própria vida. Isso é importante. Em geral, quando se sampleia (Sampler é um teclado que reproduz os sons reais dos instrumentos acústicos), corta-se mais o alto e o mais baixo destes níveis de freqüência. Hoje toda uma tecnologia está destruindo o espírito do artista. É uma tecnologia “barata”. Muitas pessoas nem sentem, mas eu sinto. Eu preferia o vinil a essa limpeza do CD. São instrumentos produzidos em massa, para consumo e soam pobres. E músicos usam estes instrumentos e produzem discos. É muito fácil e o som parece melhor que o vinil, mas não é. Pode comparar: até sons de guitarra estão piores, porque não há bons microfones. A gravação analógica (típica do vinil) funciona de um jeito e a digital de outro. Se pudéssemos ver num microscópio, notaríamos que são totalmente diferentes. Sons analógicos são ondulados e suaves e os digitais são sons quadrados. Algumas companhias deverão iniciar uma era além do vinil, além do CD. Eu espero. Porque os CDs estão piorando. Mas o problema é a fonte da música, com instrumentos “baratos”.

“Raneesh (OSHO) foi meu amigo, como um tio, um parente e falava comigo sempre, até que ficou doente física e psicologicamente.”
“A altitude tem muitos méritos. O oxigênio é mais refinado e mantém a mente clara. No Japão eu também viva nas montanhas”.
“Meu mestre é a Mãe-Natureza; ela é tão forte! Ela nos deu todos os elementos do som e dos instrumentos.”
“Hoje temos muito sofrimento no mundo. Nem sei quantos países neste momento estão em guerra. Temos de fazer alguma coisa.”
“Eu preferia o vinil à essa limpeza do CD. Algumas companhias deverão iniciar uma era além do vinil, além do CD.”


Por Mirna Grzich

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